domingo, 12 de setembro de 2010

42 Segundos Antes de Morrer - versão 1

Marcos fechou a janela sem pensar, o calor do ambiente fazia sua transpiração adquirir um odor repetitivo, odor de cansaço, na falta de tempo bebeu um copo d’água e foi ao quarto com passos rápidos, a parede de tijolos vermelho e espaços brancos pintados pelo cal. Sentiu sua vida retroceder, sentou na cama velha, o colchão sem lençol, mas era aconchegante, ao menos sentia-se em casa.


Ouviu de longe uma música, quando percebeu era seu celular que estava tocando, o medo de ver quem o chamava era enorme, as mãos estavam de repente frias, todos os sentidos aguçados, uma concentração extrema, quando viu o nome todos os medos e receios se confirmaram - João -

- Fala João.

-E aí “parcero”, já conseguiu a grana?

-Consegui sim, tá na casa do meu brother, vou pegar daqui a pouco.

-Ótimo, passe aqui e deixe comigo as 8 da noite, se não coloco sua cabeça a prémio, tem um mês cara, UM MÊS, não brinca comigo.

-O... Ok.

Marcos disse “Ok” sentindo um nó na garganta, sabia que joão não brincava, “Merda” pensou. Levantou e foi direto ao banheiro, o banho rápido em água fria o ajudou a pensar melhor. “Vou pegar a grana com o Dalton, se eu estiver com ela tudo fica mais fácil”

Vestiu suas únicas roupas limpas, viu na cómoda velha retratos de sua família, sua mãe que não falava com ele desde o ano passado, seu pai já falecido, sua ex-mulher que estava grávida dele. Sentiu emoção ao imaginar ter seu filho nos braços, a honra de ser chamado de pai. Não tinha tempo para isso, pegou a carteira, a arma e saiu.

No metrô fazia de tudo para não chamar atenção, já era difícil não ser revistado por onde passasse, como se seu rosto já fosse conhecido por todos. O celular vibrou novamente, um alerta (Aniversário de Tatiane), “Merda, esqueci”. Se remexeu no banco e sentiu a sensação de angústia, tinha que comprar algo ou ao menos passar na casa dela por alguns minutos, em pensar que em quatro meses ela seria a mãe de seu filho, “Tenho certeza que o guri vai ser bonito” pensou.

Caminhando pelo bairro chic da cidade percebia a diferença até no ar em que respirava, estava calmo, sabia que tudo correria bem, algumas pessoas olhavam para ele de forma estranha mas simplesmente ignorava, não tinha tempo para se preocupar. Chegou no portão de uma casa relativamente pequena comparada as outras, um portão marrom, e árvores na calçada, apertou a campainha e esperou.

-Porra cara, achei que não viria mais!

Dalton era gordinho, usava roupas de marca e tinha um jeito de falar engraçado, era o típico solteiro de classe media alta. O chamou para entrar.

-Cara, eu tive um pequeno problema com as vendas e...
Dalton parecia confuso, com medo, inseguro tentou terminar a frase, mas Marcos o interrompeu.

-Sem "enrolação" meu, e a grana, só quero a grana!

A preocupação era evidente, Dalton estava nervoso também e não sabia como explicar, começou admitindo o erro.

-Eu sempre tive uma clientela fiel, você sabe cara, mas acontece que os caras armaram para cima de mim, pegaram a mercadoria e sumiram no mapa. Eu não tenho como repor essa quantia toda, posso tentar conseguir para você até segunda feira. Você esta me ouvindo? Marcos?


Nas primeiras palavras que Dalton disse, Marcos saiu de si, como se seu corpo não mais correspondesse à sua mente, o sangue ferveu, uma forte dor de cabeça começou a atacá-lo, ouviu seu nome, “Marcos?” uma voz longe, mas lembrou do telefonema de João e logo voltou a si, sentiu enorme peso sobre o corpo, a arma que carregava começou a incomodá-lo, olhando para Dalton viu tudo que ele jamais fora, rico e com oportunidade, Marcos olhou intensamente nos olhos do então amigo, e o impulso falou mais alto.

-PLAYBOY DESGRAÇADO.
              Foi para cima de Dalton enquanto puxava a arma de dentro da cueca, passou rente ao sofá e empurrou-o um pouco, o sangue fervia nos olhos dele, Dalton assustado estava sem reação, caiu ao chão quando tropeçou no tapete, se encolhia no canto da parede, jamais esqueceria a cena, a pouca luz do ambiente que entrava pela cortina que ganhara dos pais, o rosto de Marcos suado, quente, com o ódio expresso no olhar e a arma, sendo apontada em direção aos seus olhos.

-ACHA O QUE RAPAZ, MINHA CABEÇA TÁ A PRÉMIO AGORA GRAÇAS A VOCÊ, MAS SE ACHA QUE VOU TE MATAR, ESTÁ MUITO ENGANADO!
              Abaixou-se rapidamente e pressionou a arma contra o rapaz, respiração pesada, sentiu os dedos fazendo força contra o gatilho,
-EU VOU TENTAR RESOLVER MEUS PROBLEMAS, PRINCIPALMENTE O QUE VOCÊ ME CAUSOU DALTON, ACHO BOM VOCÊ FAZER SUA PARTE, PORQUE SE EU MORRER HOJE... VOCÊ MORRE AMANHÃ.

Guardou a arma e saiu daquela casa, não sabia o que fazer, o coração dizia que a morte estava próxima, a consciência procurava uma saída rápida, inconscientemente caminhava em direção à casa de Tatiane, queria vê-la, imaginar seu filho, ao menos isso, antes de morrer.




Pensamentos a mil, de tanto que pensava perecia não pensar, pessoas olhando inquietas enquanto ele passava, talvez por medo, lembrou de quando era mais novo, mais intenso, quando assaltava qualquer um que cruzasse seu caminho por um celular ou um cigarro, mas hoje, rendeu-se ao acaso, deixou passar, nada poderia ajudá-lo, “Acho que vou fugir, ou não”.

***

Parou diante da porta sentindo a tensão em seus dedo, a falta de coragem de vê-la, o que sentira era intenso e inútil, por uma vida desregrada abandonou qualquer oportunidade de ficar com ela, não mais valia se arrepender, queria ao menos vê-la, tocou a campainha.

-Marcos? Você veio!
-Sim, queria te ver, seu aniversário, parabéns...

O olhar baixo revelava um certo arrependimento, ela se sentia triste pelo modo como ele estava, tão diferente de quando se apaixonaram.

-Olhe, vou te convidar para entrar, mas não faça besteiras, por favor, você sabe que minha família está toda aqui.
-Tudo bem, se quiser que eu vá embora...
-Marcos... Estou feliz por estar aqui, vamos, entre logo.

Se abraçaram, a barriga já estava grande, mais do que quando ele a viu pela ultima vez, nunca veria seu filho, isso parecia cortar o coração, uma tristeza grande o invadiu.
Entrou e cumprimentou a todos, sentou-se numa cadeira de plástico, esperava por redenção. Todos comentando sobre sua presença, não ligava, observava Tatiane se movimentar por todos os lados, conversando com todos, trazendo um copo de refrigerante para ele, viu como um homem a olhava, deveria ser seu atual namorado, ela nunca ficou sozinha, morena, cabelos encaracolados na altura do ombro, um corpo que outrora o seduziu, hoje, a mãe de um filho que talvez, nunca o chamaria de pai. Olhou as horas, faltava pouco para o momento de ir embora, foi quando reuniram-se para os parabéns, um bolo comprado em uma venda qualquer, pequeno e redondo, simplicidade e complexidade, todos felizes por ela, sempre tão amável.

O medo o aterrorizava, sentiu as pernas bambearem, tinha que ir, enquanto tiravam fotos olhou-a pela ultima vez, seus olhos brilhantes, saiu rápido, ninguém o viu, tinha que ir sem chamar atenção, a ultima coisa que precisava era que alguém sentisse pena dele. Andando pela rua, pouco distante da casa de Tatiane pode ouvir alguém correr, era ela, com dificuldade, sentindo um pouco de dor gritou por Marcos. Olhou para trás sem querer acreditar, ela se aproximando rapidamente, esperou-a, pode observar alguns de seus parentes olhando-o sem muito entender.

-Aonde você vai?
-Tenho que ir... Não posso dizer muito...
-O que está acontecendo? Me fale!
-Eu vou fugir Tatiane, as coisas estão complicadas para o meu lado, acho que vou para Rio de Janeiro, tenho alguns amigos por lá, tenho que ir.
-Você ainda está mexendo com aquelas coisas né. Eu te disse que...
-Pare, não diga nada, tarde demais, sei que deveria ter mudado, eu tentei, mas...
-Por que ir embora, de quanto você precisa, talvez eu possa te aju...
-Não, guarde o que tem para nosso filho, falo isso de coração, nunca acreditei muito em Deus mas sei que ele te protege agora.

Os olhos dela demonstravam certo sofrimento, ele se virou e saiu, ela não impediu, não havia muito o que fazer.

***
Na favela, João estava contabilizando seus últimos lucros, quando um de seus capangas se aproximou e disse: 
-E ai chefe, já está na hora e o cara não veio, e aí?
-“Vamo” para a casa da moreninha, ele deve estar lá.

João e mais quatro capangas entraram  na velha Van e foram rápido, Marcos não iria escapar dessa vez.

***

Marcos comprou a passagem para o Rio, partiria em três horas, sentiu-se aliviado, sentou no velho e quebrado banco da rodoviária, o grande relógio pendurado no local lembrava-lhe do dia complicado que teve, carregava a pequena mochila com poucas roupas e uma velha foto de sua mãe.

Quando faltavam duas horas para partir foi ao banheiro, quando saiu avistou um dos capangas de João, coração acelerado, não entendia o que ele poderia estar fazendo ali, mas sabia que tinha que tomar cuidado, saiu em passos lentos contornando as fileiras de bancos, não olhou para os lados e entrou em um corredor que levava à saída da rodoviária. As paredes de vidro do local permitiram que ele visse João, parado perto da velha Van, escondeu-se, conseguiu perceber outro capanga passando em sua frente, por pouco não foi visto, o coração agora estava acelerado, provavelmente fora seguido, foi o que pensou, não tinha para onde ir e antes que pensasse em algo, sentiu alguém encostando a mão em seu ombro.

-Chefe tá lá fora, te esperando, não adianta correr mais, já era.

Como se um fogo o consumisse, andou sem sentir as pernas, fechava o olho por mais de dois segundos, nada lhe passava à mente, sentiu sua mochila ser tomada de sua mão, pensou em pegar a arma, mas não era o momento, mais três capangas se aproximaram, ele iria acabar morto antes que desse o primeiro tiro.
Saíram da rodoviária em passos lentos, pessoas passavam sem perceber o que realmente acontecia, foram em direção a Van, a noite sem lua, nuvens carregadas e ar gélido, “noite boa para morrer” pensou.

-Sabia que você ia aprontar comigo, eu sabia!

Gargalhou como se tudo aquilo fosse realmente engraçado, colocaram-no na parte de trás, jogado no chão não podia fazer nada, sentiu a arma entre as pernas, esperava que a mesma passasse desapercebida. A cada quebra-mola batia a cabeça em algum lugar, sentiu um pouco de sangue na boca, mas continuou calado.

-Pensou que ia me enrolar né cara, vai ver o que te espera.

A Van foi estacionada em um terreno íngreme, colocaram-no para fora do carro com chutes e empurrões, caiu no chão novamente, estava sem saber o que fazer, apesar da noite pode ver o esgoto a céu aberto, não sabia onde estava, nunca havia ido lá, porém lembrava-lhe perto de sua casa, mas não tinha certeza.

-FALA DESGRAÇADO! CADÊ MINHA GRANA!
-Eu só posso conseguir para você na segunda-feira cara, só segunda!
-VOCÊ SÓ PODE ESTAR BRINCANDO COMIGO, VOU TE DAR MOTIVOS PARA NÃO BRINCAR!

João pegou o telefone do bolso e discou um número, chamou por Roger.

-Roger... O Rapaz só pode estar brincando comigo, tentou fugir acredita... E a moreninha dele, já está com você? Ótimo, traga ela viva, vou matá-la na frente dele, agora sim vai aprender a não brincar com qualquer um.

Tudo começou a fazer sentido de repente, mas não queria acreditar, ainda não, talvez Tatiane tivesse dito onde ele estaria, "Ela não merecia estar envolvida" imaginou então ela sofrer sob ameaças até entregar todas as informações, agora era tarde demais, ou não. 


João parado à sua frente e mais quatro capangas o cercando, estava sem saída.

Poucos minutos depois um carro chegou ao local, Roger era gordo e usava uma barba grande, os olhos inchados e cheios de olheiras, nunca o vira; João sentiu seu coração disparar quando viu Tatiane no carro com os olhos chorosos.

-DESGRAÇADO, O QUE VOCÊ FEZ COM ELA?!
-EU? Nada, ainda não fiz nada, mas eu te disse para não brincar comigo meu velho, todo mundo sabe que ninguém me passa para trás, fico imaginando... O que... você...achou que iria fazer.

Disse isso contorcendo a face, o ódio estampado em seus olhos sem brilho, fez um sinal com a mão;

-NÃO!

Empurraram Tatiane no chão, chorando ficou encolhida.
Marcos sentiu a arma incomodar, pensou em pegá-la e atirar em João mas isso não o salvaria muito menos a seu filho. Ouviu a voz fraca de Tatiane pedindo-lhe perdão.

- Agora você morre cara, não vai mais me causar problemas.

A calma na voz de João era enorme, pegou a arma do carro e começou a fazer movimentos e a sorrir, intimando Marcos, provocando-lhe medo, medo maior quando a arma foi em direção à Tatiane, os capangas se divertindo se afastavam dele, estavam à uma distancia considerável. Não pensou duas vezes, puxou a arma de entre as pernas e atirou em João, o tiro direto no coração deixou todos assustados, Tatiane gritou, quase não acreditou que estava viva, pensando que o tiro fosse na direção dela, Marcos levantou-se rápido e foi para trás do carro fugindo de dois ou três tiros que não o acertaram. Pensou que Tatiane corria perigo ali deitada, ela gritava de medo, chorava um sofrimento ainda maior pelo filho. Marcos sentiu na fria noite a morte ao redor, no momento exato em que o primeiro pingo de chuva caiu sobre seu rosto, levantou rápido e atirou sem mirar, acertou o vidro do carro de Roger, em um tiro dado, dois tiros vieram em sua direção, abaixado novamente sabia que três estavam desarmados. Era tudo ou nada. Pediu proteção à sua mãe em uma reza de dois segundos. A chuva era forte, talvez isso o ajudasse, levantou e correu pelo terreno em direção à água, corria em zig-zag sob tiros erróneos, Tatiane se arrastava para longe da confusão, quanto a ela ele estava mais tranquilo, com três tiros acertou Roger, sentiu algo queimar a perna e antes que pensasse caiu, tinha sido atingido, a dor parecia ser no corpo todo. Largou a arma e levou as duas mãos à ferida. os pingos da chuva não o permitia ver tudo com clareza, a lama do terreno estava por toda sua mão e em metade do seu rosto. Percebeu dois dos capangas se aproximando enquanto outro ligou o carro e outro a Van.

-Aê neguinho, QUE MERDA QUE TU FEZ HEIN, ta maluco velho, MATOU O CHEFE velho, ta maluco é. MAS TU ME FEZ UM FAVOR, agora posso ser dono daquele lugar, sua “mulhe” vive cara, mas você já era.

Um relâmpago forte assustou-o, viu mais claramente a arma apontada para o seu rosto, não conhecia seu assassino, morreria por um desconhecido.

-Calma velho, calma.

Marcos disse essas palavras já esperando o tiro, fechou os olhos e colocou a palma da mão na altura do peito, dois disparos foram feitos.

O carro acelerou com dificuldade no terreno escorregadio, a Van o seguiu, a chuva ficou ainda mais forte.

Ouvia-se alto os gritos de Tatiane, ela em pé, caindo de joelhos no chão, gritava a palavra “Não” a arma em sua mão também caiu, em um momento de euforia Marcos abriu os olhos e viu os dois corpos dos bandidos em sua frente e Tatiane pouco atrás pedindo perdão a Deus.


César Felipe de Sousa

2 comentários:

  1. Uauuu..Onde está meu fôlego? você o tirou com esse conto... Parabéns...

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  2. Porra Mestre =O, teu conto ta show de bola, muito bem escrito, a história prende o leitor msm. Continua nesse caminho, pra tu ser o próximo Stephen King :P

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