Na madrugada a chuva que antes já era severa, atingiu proporções inimagináveis, o volume de água que caía era além do esperado, todos os noticiários falavam sobre a tempestade que abalava a cidade. Eduardo acordou com o barulho de um forte relâmpago, o barulho estendeu-se até a queda de uma árvore, estava assustado, olhou para o lado e Tânia dormia profundamente, não queria acordá-la, foi até a cozinha beber um copo d’água.
Adormeceu rápido ao som daquela forte chuva, o tempo frio era-lhe agradável.
Quando ouviu o despertador, olhou diretamente para janela, o dia que não parecia dia, o frio que estava mais intenso, Tânia já havia levantado, estava na cozinha a preparar o café, Eduardo olhou para o celular que vibrava no modo silencioso, era Sônia, sua secretária.
-Alô.
Eduardo atendeu e conversou num sussurro, não queria que Tânia ouvisse sua conversa.
-Oi Sônia, como assim hoje não pode ir, pela chuva? Mas eu já havia reservado tudo... Tudo bem, saudades de você, amanhã nos vemos, depois remarco as reservas. Beijos.
Tânia ouvia a conversa do corredor, com dificuldade, mas conseguiu entender cada palavra, sentiu a decepção que a atingia, abalou-se enquanto sentiu seu coração queimar, a decepção de confirmar o que há tempos já desconfiava, sentiu ódio daquele homem que tanto mentia. Voltou para a cozinha em silêncio, abriu o armário e preparou a mesa para os dois.
Eduardo tomou o café enquanto sua mulher bebia um suco de laranja, comeu um sanduiche e tomou mais café... Ele e Tânia não conversavam, percebeu que sua mulher o olhava intensamente enquanto comia, ao mesmo tempo em que o barulho da chuva parecia diminuir, ou distanciar, no tempo em que percebia a visão duplicar-se perdeu o controle de sua mão, o pão caiu rápido e sua visão escurecia por completo enquanto o corpo caia ao chão empurrando a cadeira onde sentava. Desmaiou sem o menor controle ou consciência do que acontecia, Tânia calmamente limpou a sujeira e jogou o café no ralo da pia, com muita dificuldade, mas movida pela raiva, carregou o marido até o quarto, mordendo os lábios, em uma determinação voraz, amarrou-o, sem dó, quando o tinha sob controle ainda inconsciente começou o pranto sem som, ligou o rádio e tocou um CD, alguma música que misturava chuva com lembranças de dias felizes, alguma canção que falava de dor de perder um amor e outra canção que dizia sobre como é chorar sentindo ódio pela traição.
Sentada em frente ao marido esperou-o acordar, a chuva severa fazia muitos barulhos, Tânia não se assustava tinha um ódio representado por uma faca na mão direita, o olhar sem brilho e os lábios trêmulos, começou a chamar pelo marido. Eduardo, EDUARDO, EDUARDO...
Quando Eduardo acordou a mulher estava parada olhando-o fixamente, viu as mãos amarradas, sabia que poderia sair, mas tinha medo, não entendia bem porque tudo aquilo.
-Tânia meu amor? O que está acontecendo?
-Amor? O que está acontecendo?
Não perguntou novamente, nesse momento todas as possibilidades ocorriam-lhe, mas não queria acreditar que a mulher descobrira.
-O que você me deu Tânia, por que eu desmaiei, por que estou amarrado?
Os olhos de Tânia encheram-se de lágrimas novamente, o ódio já havia passado, ficava uma dor pelo fracasso no relacionamento, por ter falhado como mulher. Falou com voz fraca e dolorida.
-Você me traiu Eduardo, me traiu...
-O que está dizendo meu amor, nunca faria isto.
-Menti... Mentiroso... Eu sei, eu já sabia e confirmei hoje, você e aquela vag...
-O que está dizendo meu amor, você está enganada.
Tânia levantou-se e saiu do quarto, foi chorando e resmungando, deligou o rádio e ficou sentada no sofá, balançava para frente e para trás, chegava a imaginar que perdera a razão, lembrava-se do marido com outra, pensava que a razão estava com ela, para frente e para trás, na fragilidade de um momento de fúria ao desespero.
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