domingo, 16 de dezembro de 2012

O terrível fim de Angel Waters

Angel caminhou até a saleta do hotel, se viu no reflexo do vidro como via uma estranha, quem seria aquela mulher de cabelos longos e lisos? Seu vestido preto caía bem com todos os acessórios, desde um brinco discreto à uma flor negra sobre a orelha esquerda. Nos olhos, trazia um vazio azul céu, no dilatar de sua pupila mostrava seu único desejo, morrer.

-Srta Angel Waters, o cavalheiro lhe enviou este drink como cumprimento.

Não surpreendera-se, era uma figura que deslizava pelos ambientes, quando chamada apenas dava atenção, não se assustava ou mesmo, não palpitava nenhuma emoção. Olhou discretamente para o homem que exibia grande sorriso. Moreno alto, corpo atlético, um cavanhaque negro possivelmente tingido por tinta caseira, ao seu julgamento Angel observou a marca de aliança no dedo, “escondeu seu compromisso?” questionou em seu íntimo, ele virou-se por completo se mostrando mais atraente, não fosse a meia direita quadriculada, com um pequeno furo acima do sapato reluzente. Deste pequeno detalhe, Angel tomou um trago da bebida, sorriu furtivamente e concluiu. “Homem de aparencias, membro pequeno, pelos pubianos rasos, possivelmente com um péssimo odor depois de uma noite de sexo. Descatável.” Ela levantou de leve o copo agradescendo assim o presente extremamente desagradável. Angel novamente questionou-se “Como sabes Angel sobre o odor dele? – Pela mancha de desodorante spray levemente aparente pelo terno, possivelmente jogou por todo corpo, transpirou e pelo terno preto, essas manchas brancas leves, como talco ao vento, apareceram.”

Sorriu novamente tendo a certeza que estava certa, como ele não era o único cavalheiro no local, certamente teria mais surpresas. Caminhou em frente um casal de jovens amantes, ignorou por ora o cavalheiro mal cheiroso, olhou intensamente ao pianista, sua aliança reluzente, seu talento admirável ao executar Chopin.

-Srta Angel, gostaria de uma mesa? – Atento o metre perguntou, o sorriso forçado era agradável, quase imperceptivel. Angel sorriu com as rugas de expressão, 38 anos de idade e já tinha rugas dos sorrisos mal dados.
-Por favor, perto do pianista.

Enquanto pisava no carpet sentia seu corpo pesado, suas curvas bem expostas junto ao vestido que estava impecavelmente negro.

-Posso fazer um pedido? – Angel estava radiante, sabia a resposta, mas um pouco de charme deixava tudo mais agradável.

O pianista fez um sinal com uma das mãos pedindo que escrevesse.
Frédéric Chopin   Prelude in E Minor (op28 no 4).

O papel fraco e úmido, uma caligrafia primorosa, o espanto do pianista ao ver um pedido tão emocionante.

Angel cruzou as pernas, olhou discretamente ao cavalheiro mal cheiroso que vinha em sua direção, tomou o ultimo trago da bebida, repousou o copo vazio e se preparou, psicologicamente, intimamente, discretamente se preparou para mais um teatro de vaidades.
-Posso me sentar?
-Claro, que deselegante eu seria de não deixar depois de tão estimado drink.

Sorriram levemente, o pianista que os observava tinha a sensação de já tê-la vista em algum lugar. Começou a tocar o pedido do papel, de forma suave.
-Chopin!
-Sim meu caro, o melhor e mais suave som, não há como não gostar.
-Posso?

Levantou-se e estendeu a mão, chamava-lhe a uma dança, Angel pousou suas longas unhas e sentiu o sangue quente, por mais que o olhasse com o azul profundo, no fundo de seus olhos não o via, mas relembrava outro homem. Suas longas unhas sem cor, seu anel dourado, tudo bem combinado e ele, conduzindo-a a uma dança de amor.

Angel fechou os olhos, via-se como dançando sobre nuvens, respirava profundamente e aceitava o truque do desodorante, funcionava, enganava-lhe como Alfa.

Ao som de Chopin, Angel chorou. Duas lágrimas que não se contiveram, logo depois, outras enrijeceram-se sob a pele, sua boca rubra, suas lagrimas entrando no tecido do terno de um estranho homem.
-Como se chama?
-Angel, Angel Waters.
Ele parou, seus pés firmaram-se como âncora, afastou-a para olhar-lhe nos olhos.
-Angel?
-Sim. E o Sr.?
-Matt, sou um grande fan!

Ela perdera o ritimo, desatinada deixou-o no mei o do salão e sob olhares curiosos caminhou até o bar.

“Quando encontrarei alguém que não me conhece?” pensava raivosa, o rapaz chegou logo em seguida tocando-lhe os ombros.
-Te ofendi?
-Não, imagina, peço desculpas, mas não estou no clima para dançar.

Antes que ele respondesse algo ela o deixou, saiu da saleta indo direto ao elevador principal, a enorme porta delizou revelando um interior espelhado, novamente se viu, estranhou-se por mais uma vez. “Quem é essa mulher?”.

No ultimo andar subiu a escada interditada, com destreza pulou os avisos, levantou a tampa de ferro e estava então na cobertura do prédio. Nova York. Brilhantemente fria e desleal. O vento zunia em seus ouvidos uma canção, parecia Chopin.

Sorriu, caminhou, apertou os dedos contra a bolsa de mão, os pés gelaram-se em segundos enquanto o coração aceleva-lhe os pensamentos.

Aqui jaz Angel Waters. Sem gritar alçou seu voô até o chão, os 72 andares passaram calmamente sob supervisão de seus profundos olhos azuis, ao tentar lutar contra o vento e olhar ao chão, não conseguiu, ia de costas, via o prédio crescer  e via o céu sem estrelas, sem lua, sem miséricordia.

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