terça-feira, 21 de setembro de 2010

Lyla - Uma vida sob a desilusão

Um dia apaixonada, com sua melhor roupa, cabelos longos e lisos, sentada num banco qualquer, esperava pelo seu amado. Era mais um dos dias mais felizes de sua vida, os 21 anos que viveu por esse momento, por esse amor, esperava por Adriano, se conheciam há um mês, como foi tudo perfeito, cada problema que ela tinha fora esquecido em cada suspiro do gozo ao amá-lo, ficou observando o mundo, as folhas das árvores que balançavam de acordo com as batidas de seu coração.

***

-O que aconteceu Lyla?
Letícia perguntou com os olhos de desespero, nunca vira a amiga daquele jeito, com a maquiagem borrada, com o sorriso escondido e contorcido no desespero do choro.
-Ele me abandonou, simplesmente isso, nunca fui nada para ele, para ninguém.
E oprimiu o grito de dor.
-Amiga, calma, você tem tanto ainda pela frente. Tenho certeza que vai achar alguém perfeito para ficar com você.

Letícia era sua amiga desde os dezesseis anos, uma mulher linda, uma quase mulher, como Lyla sempre dizia, Letícia era o nome artístico, o nome verdadeiro era Rodrigo, um jovem que se travestia e levava uma vida alegre quando se montava, vestia um personagem, uma imagem. As duas estavam ali, no apartamento de Lyla, tudo revirado, a decadência de um coração partido sem a possibilidade de sobreviver.

-Vamos Lyla, você vai sair comigo hoje, acorda mulher, sábado a noite, vou te levar onde você nunca quis ir e sei que você vai amar!
-Não Letícia, eu não quero, queria mesmo era...
-Não fala bobagem mulher, você não tem nada para fazer, se quiser chorar, chora comigo lá na festa, ao menos terá muita gente para nos ouvir, vamos, eu te ajudo.

Letícia sem perceber pegou o mesmo vestido que Lyla usara no dia em que Adriano abandonou-a, e Lyla, num ato de desespero pegou de sua mão e jogou-o pela janela, assustou-se quando a dor e o ódio se misturaram, estremeceu, e parou de chorar. Vestiu-se de forma pálida, uma roupa qualquer. Saíram do prédio e pegaram um táxi, não comentavam nada, Lyla sabia que não queria ir, queria voltar para casa e sentir-se invisível. Letícia apertou forte a mão da amiga e disse:

-Chegamos, você vai ver pela primeira vez meu show e sei que vai gostar, vamos, a noite vai te acolher.

As duas entraram pelas portas do fundo, Lyla era guiada como se fosse cega, não sentia vontade de se movimentar.

-Olhe, você fica no bar, pode beber a vontade, é por conta da casa, ou melhor, por minha conta, sei que hoje é você quem precisa mais, logo depois do show venho conversar com você amiga.

A festa estava no começo, varias pessoas ainda chegando ao local, mulheres a olhavam com interesse, sentia repulsa de pensar que estava ali, sentada num banco perto do bar, ouvia os comentários, as mulheres tentando seduzi-la. Quando olhou para o banco atrás de si, um homem a olhava intensamente.

-Qual o seu nome?
-Lyla.
-Prazer, meu nome é Carlos, você é nova aqui não é?
-S... Sim.
-Olhos tristes, parece querer passar desapercebida, não sei o que está acontecendo, mas se quiser conversar, estou a disposição.
-Não estou bem, prefiro ficar calada.
-Nossa, calma, eu não mordo não, hoje meu namorado vai se apresentar, estou aqui apenas esperando que ele termine. E você, o que lhe trouxe?
-Eu... Vim com uma amiga que também vai se apresentar, não sou... Lésbica.

Carlos riu e pediu duas batidas, entregou-a para Lyla.

-O Show vai começar, vamos para frente do palco.

Antes que Lyla percebesse já estava sendo puxada por Carlos, parecia anestesiada, o medo do local a invadira por completo, a multidão que pulava, as luzes que quase não permitiam ver, ouviu então a música eletrônica do ambiente sumir aos poucos e um homem no palco chamando por aplausos.

-Gente, vamos aplaudir, hoje teremos ótimos shows ao som do nosso Dj Lucio, CADÊ A ANIMAÇÃO!

Todos histéricos, ela estática, olhando o que considerava um circo.

-AGORA, QUERO QUE VOCÊS RECEBAM LETÍCIA, NOSSA MUSA!

Procurou atentamente e viu sua amiga entrar, uma pessoa nova, um cabelo totalmente diferente do que conhecia, uma capa preta por todo o corpo, mistério, sentia-se realmente curiosa pelo que aconteceria, foi quando lhe ocorreu que por algum tempo, esquecera de Adriano.

A musica começou suave, viu sua amiga olhá-la enquanto dublava a musica internacional, era como um teatro, porém tudo tão grandioso, todas as atenções nela, Letíca ao som da batida forte tirou a capa, Lyla admirou a cena, de uma capa preta viu a amiga com um maiô brilhante, um salto enorme e os movimentos do corpo atraentes, dançava freneticamente, mantinha-a hipnotizada e trazia aplausos do grande público. No ápice do ritmo Letícia começou a girar os cabelos, parecia inacreditável, Lyla espantou-se e aplaudiu, era magnifico.

***

Esqueceu-se de Carlos e foi esperar a amiga no bar, estava admirada, olhava os outros shows que aconteciam no palco mas nenhuma era tão perfeito quanto o de sua amiga, chegou a espantar-se por sentir-se orgulhosa.

Letícia chegou e abraçou Lyla, viu o sorriso transparente.

-Esse sorriso é melhor que o choro, que bom que está feliz aqui minha amiga.
-Foi lindo Letícia. Lindo.
Ficaram pouco na festa, Letícia viu que a amiga estava cansada e decidiu a hora de ir embora, acompanhou Lyla até sua casa.

-Letícia, queria ser como você.
-Como assim, não entendi?
-Ficar ali no palco, mudar meu visual por completo, esquecer da realidade.
-Nossa Lyla, você gostou tanto assim?
-Sim, muito e quero ao menos um dia ter essa sensação, será que posso?

Letícia riu incrédula do que ouvira, feliz por ter a amiga sorrindo, preocupada com a proposta que ouvira.

-Nunca vi uma mulher fazendo isso Lyla, você só pode estar brincando.
-Não me importa, eu quero e vou fazer isso e conto com sua ajuda.

Lyla sentiu-se forte quando disse isso, ansiosa por tudo, pelas possibilidades.

-Pronto, está em sua casa, agora eu vou para a minha porque estou cansada, Lyla, eu te ligo amanhã.
-Tudo bem, beijos.

Lyla viu o táxi afastar-se, estava radiante, dentro do elevador, começou a lembrar da noite, mas foi quando sentiu um vazio enorme no peito que lembrou de sua real situação, segurou o choro e entrou em seu quarto. Afundou-se no travesseiro e chorou, chorou por Adriano, pelo vazio no peito, pelo sentimento de derrota e solidão. Uma ou duas horas depois adormeceu, sonhou que estava no palco, que era adorada e que Adriano assistia enquanto ela se apresentava, sentiu uma enorme paz.
Quando acordou sabia o caminho a seguir.

Um comentário:

  1. Poxa man, muito bom mesmo!
    Prendeu minha atenção do começo ao fim!
    Está de parabéns!

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