domingo, 25 de setembro de 2011

O sorriso de Amélia

 O sorriso de Amélia


Estava sentada no banco de madeira, os ombros meio de lado, as duas mãos apoiando seu rosto, os olhos grandes e distantes, sem brilho no dia cinzento, sua visão ia além à enorme varanda, o gramado, algumas árvores, a fonte cinzenta e um pardal ligeiro, mais árvores, o céu cheio de nuvens carregadas de agonia, de água; Amélia carregava em si uma dor profunda, sua blusa branca caída no colo que um dia amentou uma criança, criança que morrera na normal tragédia do mundo, seu interior adormecido teimava acordar em dor, começou a chover, chover forte, enganou-se ao achar que ouvia uma flauta de longe, embalando seu intenso e perdido olhar.

    Levantou-se do banco e deixou o celular cair, não percebeu, foi passo a passo em direção ao limite de uma varanda e uma poça d’agua, descalça sentiu a grama acolher carinhosamente seus finos pés, brancos e amarelados, algumas pedras de barro que derretiam entre seus dedos incomodavam-na profundamente, tanto tempo no hospital amargurava seu intimo, levantou o pé a fim de que a chuva limpasse, repetiu por vezes enquanto sua blusa agora transparente pesava-lhe o corpo, seu short foi caindo aos poucos, deixou que caísse.
    De alguma forma o tempo não lhe era favorável, mas prazeroso;  Tirou toda a roupa e observou o verde escuro da mata, o cinza azulado do céu, as gotas brancas e negras, pesadas, seus cabelos encaracolados e loiros molhados o que dava-lhe um toque artesanal, quase real de prazer, sua maquiagem esquecida e apagada pela água.

    Ouviu um choro de criança, sem direito enxergar caminhou para um ambiente estranho, ainda perto da varanda, parecia não sentir os pés ao chão, perdoou-se de seus pecados mais íntimos, pensou em Deus, sua mãe que perdera aos dez anos, seu pai alcoólatra, seu marido depressivo, pensou no caixão branco de seu filho e no câncer que carregava junto aos seios, o câncer de Amélia doía tanto e anestesiava outras partes do corpo, como por exemplo o coração partido pelo arrependimento de não ter aproveitado a vida como muitos o fazem, sentiu uma dor leve no estomago, um pulsar gelado no coração, logo estava com seu filho no colo, aguardando o tempo passar, sorrindo graciosamente.

Esqueceu seu corpo, seu espírito, sua doença, esqueceu seus pais e seus amores, esqueceu seu filho, quando voltou a abrir os olhos ele não estava mais lá, o gramado onde havia caído não lhe machucava a pele, estava flutuando sobre um caixão com seu humano rosto, sobrevoando rostos conhecidos que não mais se apegava, sorriu novamente e o sorriso de Amélia fez com que tudo não passasse de um aprendizado de vida, aprendizado qual pertencia a uma vida passada.




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