domingo, 16 de dezembro de 2012

O terrível fim de Angel Waters

Angel caminhou até a saleta do hotel, se viu no reflexo do vidro como via uma estranha, quem seria aquela mulher de cabelos longos e lisos? Seu vestido preto caía bem com todos os acessórios, desde um brinco discreto à uma flor negra sobre a orelha esquerda. Nos olhos, trazia um vazio azul céu, no dilatar de sua pupila mostrava seu único desejo, morrer.

-Srta Angel Waters, o cavalheiro lhe enviou este drink como cumprimento.

Não surpreendera-se, era uma figura que deslizava pelos ambientes, quando chamada apenas dava atenção, não se assustava ou mesmo, não palpitava nenhuma emoção. Olhou discretamente para o homem que exibia grande sorriso. Moreno alto, corpo atlético, um cavanhaque negro possivelmente tingido por tinta caseira, ao seu julgamento Angel observou a marca de aliança no dedo, “escondeu seu compromisso?” questionou em seu íntimo, ele virou-se por completo se mostrando mais atraente, não fosse a meia direita quadriculada, com um pequeno furo acima do sapato reluzente. Deste pequeno detalhe, Angel tomou um trago da bebida, sorriu furtivamente e concluiu. “Homem de aparencias, membro pequeno, pelos pubianos rasos, possivelmente com um péssimo odor depois de uma noite de sexo. Descatável.” Ela levantou de leve o copo agradescendo assim o presente extremamente desagradável. Angel novamente questionou-se “Como sabes Angel sobre o odor dele? – Pela mancha de desodorante spray levemente aparente pelo terno, possivelmente jogou por todo corpo, transpirou e pelo terno preto, essas manchas brancas leves, como talco ao vento, apareceram.”

Sorriu novamente tendo a certeza que estava certa, como ele não era o único cavalheiro no local, certamente teria mais surpresas. Caminhou em frente um casal de jovens amantes, ignorou por ora o cavalheiro mal cheiroso, olhou intensamente ao pianista, sua aliança reluzente, seu talento admirável ao executar Chopin.

-Srta Angel, gostaria de uma mesa? – Atento o metre perguntou, o sorriso forçado era agradável, quase imperceptivel. Angel sorriu com as rugas de expressão, 38 anos de idade e já tinha rugas dos sorrisos mal dados.
-Por favor, perto do pianista.

Enquanto pisava no carpet sentia seu corpo pesado, suas curvas bem expostas junto ao vestido que estava impecavelmente negro.

-Posso fazer um pedido? – Angel estava radiante, sabia a resposta, mas um pouco de charme deixava tudo mais agradável.

O pianista fez um sinal com uma das mãos pedindo que escrevesse.
Frédéric Chopin   Prelude in E Minor (op28 no 4).

O papel fraco e úmido, uma caligrafia primorosa, o espanto do pianista ao ver um pedido tão emocionante.

Angel cruzou as pernas, olhou discretamente ao cavalheiro mal cheiroso que vinha em sua direção, tomou o ultimo trago da bebida, repousou o copo vazio e se preparou, psicologicamente, intimamente, discretamente se preparou para mais um teatro de vaidades.
-Posso me sentar?
-Claro, que deselegante eu seria de não deixar depois de tão estimado drink.

Sorriram levemente, o pianista que os observava tinha a sensação de já tê-la vista em algum lugar. Começou a tocar o pedido do papel, de forma suave.
-Chopin!
-Sim meu caro, o melhor e mais suave som, não há como não gostar.
-Posso?

Levantou-se e estendeu a mão, chamava-lhe a uma dança, Angel pousou suas longas unhas e sentiu o sangue quente, por mais que o olhasse com o azul profundo, no fundo de seus olhos não o via, mas relembrava outro homem. Suas longas unhas sem cor, seu anel dourado, tudo bem combinado e ele, conduzindo-a a uma dança de amor.

Angel fechou os olhos, via-se como dançando sobre nuvens, respirava profundamente e aceitava o truque do desodorante, funcionava, enganava-lhe como Alfa.

Ao som de Chopin, Angel chorou. Duas lágrimas que não se contiveram, logo depois, outras enrijeceram-se sob a pele, sua boca rubra, suas lagrimas entrando no tecido do terno de um estranho homem.
-Como se chama?
-Angel, Angel Waters.
Ele parou, seus pés firmaram-se como âncora, afastou-a para olhar-lhe nos olhos.
-Angel?
-Sim. E o Sr.?
-Matt, sou um grande fan!

Ela perdera o ritimo, desatinada deixou-o no mei o do salão e sob olhares curiosos caminhou até o bar.

“Quando encontrarei alguém que não me conhece?” pensava raivosa, o rapaz chegou logo em seguida tocando-lhe os ombros.
-Te ofendi?
-Não, imagina, peço desculpas, mas não estou no clima para dançar.

Antes que ele respondesse algo ela o deixou, saiu da saleta indo direto ao elevador principal, a enorme porta delizou revelando um interior espelhado, novamente se viu, estranhou-se por mais uma vez. “Quem é essa mulher?”.

No ultimo andar subiu a escada interditada, com destreza pulou os avisos, levantou a tampa de ferro e estava então na cobertura do prédio. Nova York. Brilhantemente fria e desleal. O vento zunia em seus ouvidos uma canção, parecia Chopin.

Sorriu, caminhou, apertou os dedos contra a bolsa de mão, os pés gelaram-se em segundos enquanto o coração aceleva-lhe os pensamentos.

Aqui jaz Angel Waters. Sem gritar alçou seu voô até o chão, os 72 andares passaram calmamente sob supervisão de seus profundos olhos azuis, ao tentar lutar contra o vento e olhar ao chão, não conseguiu, ia de costas, via o prédio crescer  e via o céu sem estrelas, sem lua, sem miséricordia.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Aos leitores de meu blog...

Percebam a ironia no titulo, pois não tenho leitores,

Nunca os terei, talvez realmente haja uma valorização de talentos reais e não fui agraciado com tal, não desperto simpatia em minhas palavras e muito menos te envolvo em minhas historias. Essa carta é para você meu leitor, meu ninguém.

Vou ensinar-lhes algo, não existe amor neste mundo, tudo não passa de uma ilusão, pois se duvidas afunde-se na depressão, vá conhecer o podre de seu ser, deixe de ignorar seus defeitos, se veja realmente. Quando estiveres chorando a todos os cantos, ninguém te acolherá. Se mate então e quando se encontrar comigo, do outro lado, poderás confirmar o que digo. Não há amor neste mundo.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Implacável


Marcelo, me chamam de Marcelo!

   Ao acordar Marcelo viu-se em apuros, estava extremamente atrasado o que não lhe permitiu nem o banho matinal, um homem mal cuidado com sua barba mal feita, vestiu a primeira blusa xadrez que encontrou no armário, escovar os dentes? Uma bala de hortelã, ele estava pronto e correndo pelas ruas de Belo Horizonte, a capital mineira estava no ápice da manhã, o movimento nas ruas só era interrompida aos sinais vermelhos, em meio ao caos uma chuva forte caía sem piedade, pingos grossos que faziam com que todos ficassem se protegendo em algum lugar. Quase todos, Marcelo não pensou duas vezes quando atravessou a rua solitário, em menos de dois minutos estava encharcado e com os pés fazendo um barulho estranho, dentro da botina parecia existir um pato imaginário que martelava em sua cabeça a cada passo rápido, subiu rua, desceu rua, correu algumas vezes, tudo isso aos olhares atentos de medrosos de plantão. “Gente que não sabe viver” pensava ele, chegou na hora, hora certa em que o sinal da obra ecoou forte.

-Fala Pedrão!!! – Marcelo Sorriu e nem esperou resposta, já pegou os acessórios de segurança e vestiu-os enquanto corria para seu posto.
O chefe como sempre passava com olhos corriqueiros, “gordo e burro”.
-Preparado Marcelo?
-Não tenho medo de altura! – Sorriu para seu melhor amigo ali dentro, Matheus jogou-lhe o isqueiro e Marcelo acendeu o cigarro meio úmido, quando chovia tinham de ter cautela máxima, trabalhavam nas alturas e poucos, mas alguns, já morreram assim.

   Fumaram e subiram com ajuda da grande máquina, usavam equipamentos pesados que os prendiam com firmeza no ar, dava para ver todo o centro dali, “prédio de gente rica” esse era o trabalho dele. A chuva não atrapalhava em nada, sentia o gosto de tabaco entre os dentes e ignorava isso. Seu amigo pouco atrás assegurando que ele estava bem e ajudando, entregando peças e cigarros com o passar das horas. Quase meio dia, nenhum sol, muito vento, a estrutura começou a balançar muito, estava mais perigoso do que quando chegaram, certamente teriam de dar uma pausa, a chuva não atrapalhava, mas o vento, esse era implacável. Não demorou dois minutos e o técnico em segurança chamou a todos com ajuda de um megafone. “Outro burro”. Marcelo se levantou ainda preso pelos equipamentos de segurança, ouviu o barulho do pato novamente, deu um leve sorriso e jogou o cigarro pelo ar, observou ele caindo sem direção certa, quando percebeu ele estava caindo, escorregou rápido e certeiro, seu coração acelerou tanto, por alguns segundos toda sua vida passou em sua mente. Mais susto ainda foi ver que não caia mais, estava suspenso pela corda e seu amigo gritando para que ele subisse, tentava puxar com toda força que tinha. Marcelo voltou e agradeceu fielmente, tremia todo o corpo e não acreditava na sorte, tinha renascido.

   O dia terminou rápido  junto a chuva forte, Marcelo naquele dia de trabalho não voltou para o ar, estava muito nervoso e repetia para todos ali perto os momentos de aflição, aumentava um pouco os detalhes, mas fazia parte de sua natureza.

-Marcelo, reza bastante por que hoje meu amigo, você renasceu mesmo!
-Verdade chefe, até amanhã!
-Amanhã? Amanhã é sua folga rapaz! Até depois de amanha!

   Marcelo saia da sala onde todos lanchavam, sala improvisada com madeira fraca e telhado removível, ouvia o pato de sua bota a cada passo para fora dali, estava aéreo e nem acreditava ainda estar vivo. Levava agora uma felicidade tão grande que não cabia no peito, ao sair pelo portão principal tropeçou em alguém e se viu caído no chão, em cima dele uma linda mulher que ele derrubou.

-Meu Deus! Desculpe-me!
-Oh... Minha roupa!
Ela se levantou equilibrando-se no salto e limpando as folhas que se prenderam na umidade do tecido, olhou para o homem que a derrubara pensando em ficar com muita raiva dele, gravaria a imagem dele e nunca mais trocaria uma palavra. Mas não foi isso que aconteceu.
-Tudo... Bem...
-Você se machucou?
-Não, obrigada, estou bem...
-Como se chama? – Marcelo estava vendo um anjo, por detrás dos óculos ainda sujos via um olhar tão azul que iluminava toda cidade mórbida, todas as ruas sem vida de Minas Gerais.
-Juliana, e você?
-M... Marcelo! – Ele beijou-lhe a mão como vira um filme há anos, pensou que assim a impressionaria, ela sentiu formigar pela barba mal feita e retirou a mão com o arrepio imediato que sentiu. Ele não podia perder essa oportunidade, nunca vira tão perfeita mulher, arriscou:
-Para onde vai?
-Comer algo, estou faminta!
-Posso te acompanhar? Eu pago!
-Não, obrigada, Adeus.

   Ela não esperou reação e saiu, ele parado não acreditava no que ouvira, como se visse um trem que acabou de sair da estação, criou rapidamente a ilusão de que o trem poderia parar, bastasse ele ser visto. Visto de verdade.

-Espere!
Ele correu para alcança-la, ela estava com um sorriso disfarçado, mexia no cabelo com uma mão tão branca quanto a lua nova.
-Devo chamar a policia Marcelo?
-Não... Meu Deus... Claro que não, só estou com fome também!
-Que barulho é esse?
-É o pato! Digo... É que tem água na minha bota!

   Ela riu, ele ficou todo sem graça e corou, viu-se então preso a realidade da roupa que vestia, uma blusa velha em que o vermelho não parecia vermelho, uma calça que já desfiava na altura dos joelhos, e uma bota barulhenta.
-Também chamo esse barulho de pato!
-Como?
-Quando estou de tênis, bom... Quando ele molha também faz esse barulho, também o comparo ao de um pato! – Olhou instintivamente, Marcelo tinha seus olhos brilhando, foi então que ela percebeu que o acolhia naquela frase, dava a ele a liberdade de não ser julgado.
-O que você faz Marcelo?
-Trabalho na construção ali em cima!
-Ah sim...
-E você?
-Eu trabalho lá também!
-Como?
-Sou irmã do seu chefe...
Ela riu vergonhosa, mostrou então uma covinha tímida enquanto as luzes dos postes iluminavam seus lindos cabelos.
-Acho que estou em apuros!
-Você que quase caiu hoje?
-Sim...
-Não precisa ficar com vergonha Marcelo, aqui, chegamos, vamos comer aqui mesmo...

   Era um restaurante simples, desses onde se vende mais cerveja que comida, ela caminhou sob a supervisão dele, sentou-se numa mesa reservada e distante. Marcelo estava diante de um sentimento que causava medo, pânico e calafrios.
Pediram um tira-gosto, peixe com batatas, tomaram chopp e conversaram, conversaram, conversaram sem ver a hora passar, Marcelo ainda incomodava-se com a roupa que usava, ela estava tão bem arrumada que parecia também não pertencer àquele lugar.
Um pouco alta, ela derrubou o copo que se partiu em pedaços incontáveis, ele sem graça chamou o garçom e confortou-a, já estava tarde e ele seria capaz de tudo para leva-la a sua casa, casa simples, mas sua casa.
-Quer ir para minha casa?

   Ela não respondeu, levantou-se e saiu do restaurante, ele deixou o dinheiro da conta e foi desesperado atrás dela, mal saiu do lugar e avistou-a parada na esquina, esperando-o com um sorriso largo.
-Vamos?

   Quando ela entrou, Marcelo tentou justificar a bagunça do quarto, ela não ligou, ignorou o que disse e tirou a roupa por completo.
-Preciso de um banho! Vamos?

   Não podia acreditar, seria um sonho? Não, não era um sonho. Com a água quente caindo no corpo acordou para uma sensação nova, ela tocou-se com leveza e perfeição, sem pudores, sem explicações, entregaram-se de forma natural e completa. Por horas.
-Tenho que trabalhar amanhã! Vamos dormir, por favor?
-Claro meu anjo...
Ela virou-se e se encaixou na sua frente, os braços largos dele apertaram-na, sua barba não incomodava mais, respiravam fundo, misturavam na boca os sabores dos beijos, no nariz organizavam os aromas de um doce envolvimento.


***

   O despertador tocou às cinco da manhã, Marcelo num pulo acordou sozinho.
-Droga!

   Ela tinha saído sem deixar vestígios, ele mal acreditava que trabalhavam juntos, não se lembrava dela na obra, talvez ficasse mais nos escritórios improvisados.
Era seu dia de folga e queria vê-la, seria aceitável ele aparecer na obra e procurar por ela? Seu coração só tinha uma resposta: Sim.

   Dessa vez arrumou-se, colocou o melhor perfume e o melhor sapato. Sem patos dessa vez, sorriu com o pensamento e enquanto caminhava sentia por onde passava o perfume dos cabelos dela. Esqueceu-se de todo seu passado e ansiava apenas pelo futuro.
Chegou à obra e cumprimentou novamente seu amigo, ele estranhou Marcelo chegando para trabalhar em seu dia de folga, mas não disse nada.

-Chefe!
-Marcelo? O que faz aqui?
-Sua irmã trabalha aqui?
-Minha irmã? O que quer com ela?
-Devo desculpas a ela...
-Por quê?
-Ontem a derrubei enquanto caminhava de tão estupido que sou...

Marcelo percebeu o olhar de reprovação, ele abriu a outra porta e chamou-a, ela veio sorrindo em direção a ele.


***

   Os dias se passaram lentamente, Marcelo viva um sonho juvenil em seus 30 anos de idade.
-Eu te amo!
-Também te amo Marcelo! Mas preciso te falar uma coisa...
-O que é?
-Só me verá novamente ao dormir!
-O que?

   Quando disse isso ela não estava mais em seus braços, tudo a sua volta sumiu, queria voltar, voltar ao parque municipal onde conversavam, não era possível, estavam agora mesmo sentados num banco atrás de grandes arvores, ouviam o barulho dos pássaros e de crianças que brincavam. Ela sumiu.
Marcelo esfregava os olhos tentando vê-la, mas a sua volta somente sombras. Aos poucos a claridade que o cegava dissipou-se e ele se viu na cama de um hospital.

-CADÊ ELA? JULIANA? MEU AMOR CADÊ VOCÊ?

Gritou alto, forte, gritou muito junto a um pranto dolorido que nascia de si.

   Uma enfermeira veio correndo em sua direção, olhava os equipamentos incrédula, chamou o medico de plantão e Marcelo ouvia os passos aflitos, enquanto de seu peito nascia um choro descomunal.

-O que... O que aconteceu?
-Calma, Está tudo bem agora!
Logo sua mãe chegou, chorava ao vê-lo, ele ainda não entendia nada que se passava.
-Mãe, cadê a Juliana?
-Que Juliana meu filho?
-A irmã do meu chefe mãe, a minha namorada, você a conheceu lembra? A gente almoçou na sua casa...
Sua pressão começou a aumentar e sua mãe pedia insistentemente para que se acalmasse.
-Filho, seu chefe ficou muito preocupado, mais tarde ele vem aqui... Fique calmo.

   Com os remédios Marcelo acabou adormecendo novamente, queria acordar, mas não conseguia, não sonhou com nada e apenas descansou.

Quando menos esperou e abriu os olhos, a sua volta viu seus amigos.
-Fala Marcelão! Firme e forte hein!
-Cadê minha mãe?
-Ela foi descansar cara, estava exausta!
-Chefe!
-Me chame de Júlio rapaz, estamos fora da obra esqueceu?
-Júlio? Cadê a Juliana?
Júlio arregalou os olhos, o sorriso de seu rosto desapareceu.
-Júlio? Chefe?

   Marcelo não entendia, ele sabia que namoravam. Seus amigos apoiaram o chefe enquanto ele estava paralisado.
-Marcelo? Onde conheceu a Juliana?
-Nós namoramos, oras, esqueceu? Até agora não entendo como cheguei aqui, ela e eu estávamos no parque quando de repente tudo ficou branco e acordei aqui.
-Marcelo, você caiu, não se lembra disso?
-Cai onde?
-Na obra, o técnico de segurança tinha mandado todos descerem por causa do vento, mas você caiu!

   Palavras que entraram pelos ouvidos de Marcelo queimando todo seu corpo. Lembrou-se do rosto angelical de Juliana e de seus beijos intermináveis, doces como o leite adoçado, beijos acompanhados de caricias, lembrou-se das juras de amor. Foi quando se lembrou das ultimas palavras dela: Só me verá novamente ao dormir!

-Onde esta Juliana? Chefe?
-Ela está morta Marcelo, morreu há anos de câncer.
Marcelo petrificou-se.



***


   Os anos se passavam e Marcelo não pode esquecê-la, em sua casa encontrou a cama desarrumada como quando deixaram na ultima noite de amor. Não podia ser somente um sonho. O perfume dela era encontrado nas melhores Floriculturas, sempre passeava por lá, em meio aos lírios e aos sentimentalismos, encontrava conforto e por momentos breves sentia-se abraçado por ela.

“Somente o vento era implacável”.

   Quando o vento trazia a chuva, trazia também o futuro, nos anos que corriam rápido Marcelo estava estático, trabalhava pensando nela, contava a historia de seu maior romance a todos, ninguém acreditava, ou mesmo diziam que era somente um sonho. Ou quem sabe um anjo que salvou ele. Fato é que Marcelo viu sua mãe morrer, chorou muito, mas não por sua mãe somente, mas por estar agora mais sozinho que nunca. Envelheceu, atrofiaram-se as articulações, seus músculos estavam flácidos, a pela acinzentada, seus olhos caídos e sua barba rala, branca, quase invisível.

Marcelo ainda cultivava velhas amizades, um dia, sentado na varanda de sua casa, observando o jardim recém-cuidado, conversava com Pedro, o bom e velho Pedrão.

-Sabia que estou feliz hoje Pedro?
-Por quê?
-Por que estou velho, em breve vou partir...
-Vira essa boca para lá Marcelo, toma uma cerveja...

   Entregou-o a garrava e Marcelo aceitou, seus olhos perdidos brilhavam nas lembranças embaçadas, mal sabia dizer a cor dos olhos de Juliana, ou mesmo explicar sobre as conversas que já tiveram em orações e no sonho que mais parecia realidade.

   Foi assim, sentado no banco de madeira que Marcelo viu-se se despedindo de Pedro, o jardim que observava cercava-o com prazer, o ar que entrava pesado no velho pulmão agora, entrava revigorante. Caminhou sem a bengala, sem dores nas pernas. Via-se novamente jovem. Ele sentou-se no chão e para sua surpresa seus olhos foram tampados por uma mão macia e cheirosa. Sim, era aquele o cheiro, era esse o cheiro que o vento sempre trazia para ele. O vento era implacável e trouxe na ventania, seu grande amor.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Conto de Novembro



Novembro de 1950

Rogério estava tão bem arrumado, todos que o acompanhavam enquanto experimentava o terno ficavam de olhos brilhantes, ali em volta havia uma constelação. Alto, forte, com um bigode bem desenhado e os olhos profundamente poéticos. Esse é Rogério se casando com Juliana, ele espera por sua amada no altar com uma ansiedade incomum, se casaram no dia 2 de Novembro de 1950 e Rogério tinha apenas 20 anos.

Novembro de 2010

-Crianças, venham! Hora da história!

Os pequeninos com seus seis e sete anos pararam a brincadeira assim que ouviram seu avô os chamando, na frivolidade pueril subiram a pequena escada da varanda e adentraram na casa bem conservada, observavam atentos os movimentos de um homem imponente, vivido e principalmente amável.

-Vô! O que vai contar para gente hoje? – Perguntou o mais novo, tinha perdido um dente de leite e sorria aos ventos mostrando suas pequenas janelinhas.
-Hoje contarei a história de minha vida!

Rogério disse com um tom de pesar, sentiu o efeito do tempo em suas pernas, que a qualquer movimento causavam-lhe dor, mas nunca tanta dor quanto carregava em seu coração.

Ajeitaram-se no tapete da sala de estar, a lareira acesa aquecia o inicio do frio de uma noite possivelmente longa, Rogério pegou seus óculos e um pequeno livro de onde tirava as mais lindas histórias. Seus netos surpreenderam-se.

-O senhor tem sua história contata nesse livro vovô?
-Tenho meu neto, tantas histórias quanto janelinhas você tem...
De forma incerta respondeu e aprumou a voz.
-Era uma vez...

“Um homem completo, extremamente generoso e esbelto, pelo menos essa foi a descrição dada por sua amada. Casaram-se em novembro numa linda capela. Ela tinha os cabelos sedosos e olhos de jabuticaba, já o homem era o sonho de todas as jovens da região, além de bonito era também muito rico e sempre trabalhou muito para manter sua fortuna.
O casamento foi maravilhoso, lírios estavam por todos os lados e no fim, depois do esperado “sim” saíram sob forte chuva de arroz; A festa foi uma das maiores com direito a banda de Jazz.”

- O que é Jazz?
-Jazz é um ritmo de musica que vovô sempre ouve, sabe? Os sons do vinil?
-Sim...

“Durou dias, dois ou três, todos da cidade estavam presentes e por fim, na lua de mel, fizeram o amor que tanto esperaram. O tempo passou, mas nunca brigaram. Como ela dizia, Ele era seu príncipe e ela sua tão amada princesa. Tiveram dois filhos, um casal que encheu de vida a casa simples em que moravam. Ele sempre economizava seu dinheiro, deixaria tudo a eles quando partisse de sua vida.
A politica com o decorrer dos anos teve grandes mudanças, que afetavam a vida de todos do país, Rogério tinha muitos problemas com isso, pois era, afinal de contas, um artista além de um empresário. Compunha musicas, escrevia livros e pintava quadros. Mas ninguém admirava, pela condição delicada em que nos encontrávamos, por vezes sofríamos repressões. Tal que a mando de um general malvado, fui preso! Sim, cadeia, apenas por expressar minha arte. Julia que havia se casado comigo há tanto tempo ficou desesperada, tinha dinheiro para sobreviver, mas não tinha meu amor para acalmar.
Na prisão, conheci uma jovem moça, muito mais jovem que eu que havia sido presa pelos mesmos motivos, sofríamos tanto que um dia, bateram-na até arrancarem-lhe sangue dos ouvidos. Muitos machucados e eu ficava ali ao seu lado num esgoto escuro, digo esgoto pois era o que parecia. Meu coração que sempre foi de uma mulher somente, estava ali dividido e no calor do momento, nos amamos com medo de morrermos antes disso.

Mas ela morreu, assassinaram-na em minha frente enquanto ela deixava para traz um livro de historias numa tentativa de fuga, peguei o livro e guardei debaixo de uma pedra do local. Chorei por dias, noites, semanas e talvez meses. Um dia fui salvo, perdoaram meu crime de criar historias e desenhar verdades. Voltei para casa e revi minha tão amada mulher, mas o amor tinha se modificado de ambas as partes. Com o tempo, dormíamos em quartos separados, mas para nosso alivio tivemos netos, dois netos. Foi um momento maravilhoso que me recordo bem.

Ela conheceu outro homem que a fazia muito feliz, mais que eu. Decidiu então separar-se de mim, tempos modernos esses em que tal coisa é possível. Meus filhos, seus pais, a levaram para casa dele que ficava em outro estado, estavam de carro e eu fiquei chorando minhas magoas enquanto vocês dormiam em meu colo. 
Assim morreram, num acidente sem comum.
Em tantos anos, tantos novembros, fico lembrando de minha vida e me arrependo de não ter sorrido tanto assim para todos. Acabei sendo levado pelo acaso e não me levando aonde devia. Essa é a minha historia e guardem bem essa lição, sorriam para a vida e amem acima de tudo. FIM!”

Os meninos não entenderam bem a historia, Rogerio disse que não tinha problema e fechou o livro, mais dois novembros se passaram e ele então morreu.

Meninos criados agora por tios e tias e o caderno de historias perdido no tempo.

Mal sabem eles que o caderno está vazio, nunca houve uma palavra. Tudo que contou era verdade, ou a verdade camuflada de conto de fadas. Foi essa saída de tantas dores, dores de amor, de viver e do peso da idade. Essa é a saída da realidade, contar historias.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Cidade Iluminada


A vista do helicóptero que sobrevoava a região, era de uma cidade cheia de luzes, via-se nascer dos prédios mortos várias janelas cheias de vida, pergaminhos num museu transpareciam-se pelo reflexo de um espelho quebrado no prédio mais a frente. Uma cidade toda iluminada era muitas vezes ignorada, luz significava ao homem segurança, ausência de heróis. Porque não se nascem heróis em cidades como essa? Seriam as luzes suficientes a salvar toda uma cidade? Não mais, o helicóptero pousou no prédio Bay View, era uma franquia internacional, as hélices desligavam-se aos poucos, descia dali um homem alto, atlético e com cabelos grisalhos, aprumou suas roupas e desceu ao quarto 701.
-Boa noite Dr.
Murmurou o velho empregado, arrumava na mesa duas xicaras de café, outro homem estava de costas, virando imediatamente ao ouvir que seu convidado havia chegado.
-Espero que seu voo tenha sido no mínimo... Agradável.
O ar cínico alfinetava os ouvidos do bom e velho Dr. James. Estava extremamente excitado por ter chegado tão rápido à uma cidade digamos, excêntrica. Ouviu as acidas palavras de seu contratante, mas preferiu ignorar. Sentou-se à mesa, elogiando o café ali servido, o mordomo agradeceu e com um leve cumprimento se retirou.
-Agora que estamos sozinhos, gostaria de ir direto ao ponto...
-Não seja mal educado, sei que está me pagando, mas dê-me o prazer de ao menos uma xicara de café ao seu lado...
O olhar insistente de James ia direto ao encontro do olhar do Dr. Canvas, um rico e áspero homem da indústria de petróleo P.J. famosa mundialmente por seus preços atrativos. O clima tenso entre os dois era notável. Sem muitas delongas Dr. Canvas sentou-se e voltou a tagarelar.
-Como sabe, essa cidade está na pior das condições, temo que seus serviços são minha ultima esperança, têm lido os jornais?
Dr. Canvas tinha uma mania interessante de mexer sempre os dedos, do maior ao menos, fazia isso principalmente quando estava nervoso.
-Claro, sempre faço isso, presumo, porém que você não está tão abalado assim...
-Como pode dizer isso? Minha única filha sequestrada!
-Acalme-se, não vim para ferir seu orgulho, veja, todas as informações que me mandou, não fazem sentido... Quero que seja claro comigo, sobre o que estamos tratando?
-Como assim? Um sequestro!
-Não, sei que não é um simples sequestro, a policia resolveria isso, você pagaria o resgate e todos estariam felizes.
-O problema meu caro James, é que não houve pedido de resgate...
-Sei que me esconde algo, vendo seu comportamento acho que até sei o que é!
-Posso ou não contar com usa ajuda?
-Temo não poder aproveitar tanto da sua hospitalidade, já sei tudo sobre sua filha...
-E onde ela está?
-Morta!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Tempestades

Tempestades que caem sob o brilho da lua,
Um jeito simples de molhar a terra, fazer renascer flores mortas do meu coração,
Fênix que queria ser,
Como queria renascer junto a elas...

domingo, 1 de julho de 2012

Revivendo a viagem parte 1 - Juazeiro BA

Te convido a viajar comigo, paisagens, amores, bebidas e ressacas. Atraente não? Quase trivial.
Destino: Juazeiro, Bahia.
Data da viagem: Não me lembro!
Saindo de: Matozinhos, MG.
Dinheiro? Mais ou menos R$1500,00 (Incluindo excesso de bagagem, fiquem atentos quanto a isso)
Meio de transporte: aviões (Sim, 4 contando ida e volta, além do taxi já em pernambuco)
Motivo da viagem: Inicio de faculdade (Que nunca vou terminar)

Imaginem a ansiedade, Seis meses de espera pela minha ida à Bahia, havia completado 18 anos e estava completamente louco para morar sozinho, essa era minha primeira oportunidade a qual me agarrei com todas as forças, sofria de coração partido, de rebeldia juvenil, de dores pela primeira tatuagem e sofria ainda de amnésia de nomes, nunca me lembrava no nome da pessoa que acabava de conhecer (o que creio ser normal). No dia anterior à minha viagem, na sexta feira, tinha que me despedir de tudo e todos, partiria no sábado de manhã.

Com a ajuda de minha mãe fui colocando lembranças e acessórios em minha mala ( enorme) daquelas que usamos para salvar o mundo, quando uma infinidade de roupas, toalha, travesseiro, edredons e remédios foram colocados dentro, mal conseguia fechar a mala, resolvemos então, para adiantar o processo descer com a mala, deixando-a perto da porta, facilitando assim a saída né. Um verdadeiro malabarismo por assim dizer, somos completos desastrados e quanto mais tínhamos cuidados mais coisa dava errada, tanto que a alça da mala arrebentou-se no meio do pequeno percurso ( foi aí que me veio o frio na barriga, como andar com uma mala que se desmonta de tão pesada ). Sentia um pequeno aperto no peito por deixar todos de minha família, fomos na parte da noite para uma festa na casa de uma amiga da família, todos estavam reunidos, como uma despedida para mim. Bebemos, rimos e nos abraçamos, foram tantas fotos que não lembro mais de todas, minha afilhada pequena ainda, tentava levar uma conversa séria comigo para saber se eu iria ou não demorar, abracei-a com ternura e ansiedade, até que resolvi ir para casa dormir, algo que não o fiz, fiquei girando pela cama até as 6h.

Alegria quando o despertador tocou, me levantei ligeiro, meu cabelo estava por cortar, me sentia tão feio, mas fui me arrumando ao estilo "like a boss"¹. Entrei no carro sentindo o frio do interior de Minas, aquele ar fresco e gélido dava um aperto ainda maior no peito, dentro do carro, minha madrinha, minha tia, meu tio, minha mãe, minha avó e minha prima, eu apertadinho ali do lado desejando chegar logo e andar pela primeira vez de avião ( ual, que expectativa!). Uma hora ou menos depois, chegamos ao aeroporto de Confins, fiz o chek-in e para minha surpresa, excesso de bagagem, lá vai um dinheiro a mais, uns R$60,00.

Agora sim os nervos estavam altos, subi as escadas para o portão de embarque com todos me seguindo, adoro aeroportos, todos tão bem arrumados, cheios de histórias e contradições, mas eu era o principal da minha história e confesso não ter reparado em mais ninguém, abracei cada um espantado por não derramar uma lágrima, caminhei até o portão de embarque e fui andando por aquele corredor torto, morrendo de medo claro, entrei completamente virgem e saí apaixonado, 1h e meia até salvador, muitas nuvens, muitas paisagens diferentes, tentava na cabeça visualizar o mapa do Brasil e me ver por ali, mas não consegui, confesso, cheguei ao aeroporto de salvador completamente perdido, faltava pouco para o voo até Petrolina-PE e eu não encontrava onde embarcaria, pedi ajuda, ajuda, ajuda e finalmente, por um milagre divino encontrei uma simpática mulher de SP que iria para Petrolina também, juntos vencemos aquele labirinto e ela, para minha surpresa, era uma ótima ouvinte, acreditem, ouviu meus devaneios adolescentes por todo o percurso e por todo tempo de espera, entrei no avião morrendo de medo, sim, pois o primeiro era daqueles grandões, mas este, era pequenininho, eu conseguia ver tudo muito frágil, no ar, tudo parecia tremer, 1h de voo e finalmente, cheguei a ensolarada Petrolina, realmente, como me disseram, é quente!

Fui arrastando minha mala enorme e pesada pelo saguão, ainda me sentindo perdido, ao segurança perguntei por um táxi e fui até a saída, avistei logo um táxi bem bonito, "carrão" mesmo, o motorista tão feio, e cheio de sotaque, reconheceu logo que eu era mineiro e fez-se bom professor de gírias nordestinas, desde galego até loira, me explicou sobre a carne de bode e sobre como as mulheres de Petrolina e Juazeiro eram "arretadas" e como gostavam de uma "resenha". Esse seria meu novo lar por 4 anos, fiquei olhando maravilhado a paisagem, quando atravessamos a ponte que separa as duas cidades fiquei com arrepios de tão bonito que é, o Rio São Francisco fazendo um contraste azulado com o céu, e deu até para ver onde ficava a UNIVASF, a faculdade que eu tinha me matriculado. Ambiente seco e molhado, será possível? lá é.

Em Juazeiro a diferença de desenvolvimento era gritante, porém, como me foi informado, erá o lugar mais festeiro da região, e a "rixa" entre Petrolina e Juazeiro parece com Cruzeiro e Atlético. Pois é, a Avenida principal era movimentada e dela pegamos uma ruazinha discreta onde ficava minha nova casa. Continuo meu relato na próxima semana, e conto os detalhes e prazeres da faculdade de lá, da comida, das festas e das pessoas. Mas já adianto, a Ilha do Fogo é sem dúvidas o melhor lugar durante o dia e uma praça onde tem o Vaporzinho² é o melhor lugar a noite Fiquem ligados!


1- expressão que significa algo como, o poderoso chefão, o cara e muitas outras conotações.
2- Famoso Vapor que fazia a travessia do rio, hoje são várias barquinhas, mas este vapor é especial, agora ele fica no meio da praça, com todos seus assentos peculiares e cheio de gente bonita.